A responsabilidade civil é
a área do direito que determina que todos ajam com o devido cuidado em
sociedade, pois aqueles que causam danos a outrem são obrigados a reparar tais
danos (artigos 186 e 927 do Código Civil). Com o advento da Constituição
Federal de 1988 e também do Código Civil de 2002 tornou-se, inclusive,
perfeitamente possível a indenização por dano moral decorrente da ofensa dos
direitos da personalidade, entre os quais a honra, a integridade corporal, etc.
Com o amadurecimento do
instituto “dano moral” muitos novos temas surgiram como possibilidades de
indenização por danos morais como a inclusão do CPF no Serasa, como a prática
do assédio moral do trabalhador, como a prática da alienação parental, entre
tantos outros temas novos que surgiram como novas causas da ocorrência do dano
moral indenizável. Ao mesmo tempo consolidou-se o respeito obrigatório, sem
discriminação alguma, com direitos e deveres a ser respeitados, no que tange à
opção sexual.
Esse tema, da opção
sexual, está na mídia, nas novelas e até mesmo as crianças estão expostas
constantemente com figuras, fotos e mensagens que sugerem a existência de
opções sexuais diversas. Recentemente a declaração da cantora Daniela Mercury
mostrou ao Brasil todo esse cenário, em rede nacional, seja em revistas, seja
em televisão. Não é um assunto que as crianças das escolas e ou jovens
universitários desconhecem, ao contrário, faz parte do cotidiano deles e isso
precisa ser considerado pelas instituições de ensino.
De fato, então, a
preocupação é como isso chega até o ambiente escolar. De que forma as escolas
estão tratando de maneira administrativa e pedagógica essa questão. De que
forma o gestor escolar está preocupado em evitar possíveis violações de
direitos de seus alunos, sobretudo, evitando possíveis situações que possam
gerar danos morais.
Não é incomum a
instituição de ensino que precisa estar atenta, por exemplo, no uso do banheiro
feminino por rapazes e essa situação pode ser bastante complicada. O conteúdo
das palestras ministradas também deve ser bem sopesado, evitando prejuízo à
honra ou imagem de qualquer aluno, evitando comentários, posicionamentos
críticos exacerbados e até mesmo piadas que possam ser vistas como ofensivas.
Deve-se ter cuidado com as palavras proferidas em sala de aula pelos
professores, pois é preciso que percebam que ali são verdadeiros porta voz da
instituição de ensino, pois se alguma ofensa for praticada por ele a
instituição responderá pelos danos por ventura causados. E, obviamente, a
escola deve estar atenta para que situações do tipo, entre alunos, não se
transforme em bullying.
Qualquer que seja a
situação uma coisa é certa: se restar comprovada a agressão, a discriminação, a
ofensa ou qualquer ato que prejudique a personalidade, a honra subjetiva ou
objetiva de um aluno, por conta de sua opção sexual, permitirá que este
ingresse com uma ação de danos morais em face da instituição.
A indicação é certamente
de uma advocacia preventiva nestes casos, visando impedir que situações assim
aconteçam. Algumas dicas: (a)
as escolas devem tratar do assunto nas reuniões administrativas, nas reuniões
pedagógicas e até mesmo entre os alunos; (b) deve elaborar uma cartilha ou
tratar do assunto de forma temática em sala de aula, sempre sob a supervisão de
um profissional que conheça o modo de abordar os temas; (c) deve punir os
alunos quando necessário, para evitar a reincidência. A razão é permitir que a
escola, caso seja acionada na Justiça, possa demonstrar seu posicionamento,
demonstrar que não foi omissa e que atuou do modo adequado para evitar que
qualquer dano pudesse ocorrer. Esse é um primeiro passo para a defesa, mas é
essencial.
A título de exemplo, segue
abaixo o inteiro teor de uma recentíssima jurisprudência do Tribunal de Justiça
de São Paulo, com menção a vários outros julgados, onde é possível ver
facilmente os cuidados que a escola precisa ter.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
APELAÇÃO COM REVISÃO N°
9148038-83.2009.8.26.0000
COMARCA DE JUNDIAÍ
APTE.: KLÉBER LEANDRO RIZZATTO -
(Autor)
APDA.: ASSOCIAÇÃO UNIFICADA PAULISTA
DE ENSINO
RENOVADO OBJETIVO - (Ré)
EMENTA: Prestação de serviços
escolares. Ação reparatória por danos morais, julgada improcedente. Cabíveis tais danos, pois a conduta ou
atitudes do aluno da Faculdade de Enfermagem não eram proibidas, nem ilegais. Passou
o autor por mais do que meros dissabores ou contratempos. Constrangimentos.
Plena aplicação do CDC. Dá-se parcial provimento ao recurso do aluno.
Trata-se de apelação interposta contra
r. sentença de fls. 185/188, onde julgou-se improcedente ação indenizatória
ajuizada por Kléber Leandro Rizzatto em desfavor
de Associação Unificada Paulista de Ensino Renovado Objetivo. Condenado o aluno
autor a arcar com custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios
fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). Saneador à fl. 119. Insurge-se só o acionante (fls. 190/196).
Preliminarmente, aduz que a prova
testemunhai foi clara ao relatar que o aluno de enfermagem sofreu
constrangimento diante de seus colegas de turma, por sua opção sexual.
Quanto ao mérito, insiste no cabimento
da indenização pelos prejuízos morais por ele experimentados. Em contrarrazões,
manifestou-se a instituição de ensino demandada, pugnando, em suma, pela manutenção
da r. sentença vergastada (fls. 200/212).
Deu-se à causa o valor de R$
700.000,00, fl. 10, produzida prova oral. É o relatório, em complementação ao
de fls. 185/186. Perderam as oportunidades de fls. 23 e 109, para solução
amigável, em 2006 e 2007, aplicando-se plenamente o CDC.
A r. sentença não pode prevalecer,
pois a conduta e atitudes do aluno não
eram proibidas nem ilegais, e pelos jocosos comentários feitos, plausível que
tenha passado ele por desnecessários e desagradáveis constrangimentos, que até
tangenciam discriminação.
Tal jamais poderia ter acontecido, principalmente
em público, e em uma entidade de ensino.
Porém, o valor de R$ 700.000,00 é absolutamente
irreal, cabendo reformar a sentença, para conceder danos morais de R$ 5.000,00
(cinco mil reais), que é o quíntuplo do valor dado inicialmente à cautelar, fl.
24, sem se olvidar das Súmulas 54 e 362 do C. STJ. Correção a partir deste.
Apenas para melhor ilustrar, veja-se o
que segue, sempre com negritos nossos:
0018556-22.2010.8.26.0577 Apelação Relator
(a): Vicente de Abreu Amadei
Comarca: São José dos Campos
Data do julgamento: 12/06/2012
Ementa: APELAÇÃO. Indenização por
danos morais e materiais. Alegação de prática de bullying no interior de estabelecimento
de ensino municipal. Ausência de comprovação das agressões reiteradas bem como
da omissão da administração escolar. Sentença de improcedência mantida. Recurso
não provido. Insuficiente o conjunto probatório para demonstrar situação de prática
de bullying em ambiente escolar, com negligente omissão do estabelecimento de
ensino municipal, forçosa a improcedência da pretensão indenizatória.
9184681-74.2008.8.26.0000 Apelação
Comarca: Bragança Paulista
Data do julgamento: 24/11/2011
Ementa: Prestação de serviços
escolares. Indenizatória. Dano material e moral. Relação de consumo. Aluno
vítima de agressões físicas e psíquicas. Bullying. Demonstração. Submissão a
tratamento psicológico. Despesas a cargo da instituição de ensino ré. Necessidade.
Despesas com a transferência do aluno para a rede de ensino particular.
Possibilidade de utilização da rede pública de ensino. Dano material indevido
nesse aspecto. Danos morais suportados pelo discente e pela genitora.
Ocorrência. Indenização devida. Arbitramento da indenização segundo os
critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. Necessidade. Sentença
parcialmente reformada. Recurso do réu improvido e parcialmente provido o dos
autores.
0114812-75.2011.8.26.0000
Comarca: Ribeirão Preto
Data do julgamento: 14/09/2011
Ementa: Tutela antecipada. Pedido.
Alimentos provisionais. Indeferimento. Ausência de comprovação dos gastos
efetuados com o tratamento médico e dos demais decorrentes dos distúrbios
psicológicos sofridos pela autora, em razão de bullying ocorrido nas
dependências da ré. Ausência do requisito da prova inequívoca da verossimilhança
da alegação. Impossibilidade de antecipação da medida, mesmo a título da
cautelar incidental prevista no § 7° do artigo 273 do Código de Processo Civil,
sem a demonstração da fumaça do bom direito. Agravo de instrumento desprovido.
9173172-83.2007.8.26.0000 Apelação
Comarca: São Paulo
Data do julgamento: 13/05/2011
Ementa: INDENIZATÓRIA - Palestra
proferida em escola pública, em que o palestrante se refere ao homossexualismo
como "maldição", equiparando-o ao uso de entorpecentes e à violência
- Constrangimento provocado ao autor, aluno da escola, que se encontrava
assistindo à palestra - Responsabilidade do Estado pelo conteúdo da palestra -
Indenização que não se mostra excessiva em face à gravidade do fato - Recurso
da Fazenda e reexame necessário não providos.
9075984-61.2005.8.26.0000 Apelação Com
Revisão
Comarca: F.D. VICENTE CARVALHO/GUARUJÁ
Data do julgamento: 28/01/2008
Ementa: (...) INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL - Professor da rede municipal de ensino, proferiu durante a aula,
comentários denegrindo a imagem dos homossexuais - Autor sentiu-se humilhado,
em razão de sua escolha sexual - Sentença de improcedência - As testemunhas do
autor não demonstraram a intenção do professor de atingir o autor em razão de
sua opção sexual - Professor foi apenas infeliz ao expressar sua opinião quanto
ao homossexualismo - Decisão mantida - Recurso desprovido.
Com efeito, restaram indicados os
fatos narrados na exordial, no que tange à opção sexual do acionante. A prova
testemunhal, prestada pelos colegas de turma, declara: a primeira testemunha
(fl. 138) diz, que o estudante participou do estágio com outra professora e não
mudou sua conduta, a segunda (fl. 139) reitera, o autor fez estágio
supervisionado por professora e manteve a mesma conduta dos estágios
anteriores, a terceira e última testemunha (fl.140) do demandante afirma que
temiam que as professoras os tratassem com arrogância ou desprezo, mas pelo
contrário, elas procuraram ser mais amáveis conosco.
Reverte-se a sucumbência de fl. 188.
Diante de todo o exposto, acolhendo no
essencial, quanto ao mérito, os argumentos do aluno, dá-se parcial provimento
ao recurso do autor.
CAMPOS PETRONIO
Desembargador Relator Sorteado