Diante do episódio triste ocorrido no dia 23 de agosto de
2012 numa faculdade na cidade de São Paulo retoma-se a discussão sobre os
cuidados médicos que uma instituição de ensino deve conceder aos seus alunos
durante o horário de aula. Veja a notícia clicando aqui.
Considerando tal caso, se, de fato, os alunos colegas foram
impedidos de fazer o socorro diante da demora interna da própria instituição,
bem como diante do não comparecimento do pessoal interno qualificado,
vislumbra-se possível omissão ou falha na prestação do serviço por parte da
instituição. Logicamente, tudo ainda será avaliado pela polícia civil e por
eventual procedimento de indenização sugerido pelo viúvo da vítima.
Vamos refletir brevemente sobre as responsabilidades das instituições
de ensino pelo atendimento médico e também pelo cuidado para evitar acidentes
com seus alunos, olhando como paradigma algumas decisões recentes do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo.
2 – A instituição de ensino tem o dever de guarda e vigilância
do aluno. Isso indica que ao receber o aluno na portaria, dentro da escola ele
deve ser “guardado e vigiado” para evitar prejuízos. Para “guardar e vigiar” a
instituição precisa agir, ou seja, não deve aguardar o ocorrido, mas sim atuar
na forma de prevenir acidentes e na forma de atender o aluno imediatamente no
momento do infortúnio.
Principalmente em eventos esportivos e também
nos momentos de lazer, sobretudo, nas escolas de ensino fundamental, onde a
natureza e a idade deixam os alunos na correria, sabe-se que o risco aumenta.
Nesta hora, além de efetivamente vigiar no sentido de coibir condutas
arriscadas, inclusive, sinalizando espaços, cercando áreas etc., é preciso
manter um atendimento mínimo que garanta o primeiro socorro imediato até que se
consiga providenciar algo mais, inclusive, chamando os pais ou responsáveis.
Como (ainda!) não há obrigação legal de manter uma estrutura
médica ou de enfermagem para os alunos, muitas escolas particulares, prezando
pelo cuidado com aqueles, ao reconhecer que precisam agir para guardar e
vigiar, contratam serviço de seguro saúde, com o objetivo de acionar o serviço
médico-hospitalar imediatamente, comprovando com isso que fez o que estava ao
seu alcance para socorrer o aluno em caso de infortúnio.
Devemos lembrar que as instituições particulares estão
submetidas ao regime do Código de Defesa do Consumidor, portanto, respondem
independente de sua culpa no evento. Sendo assim, só não respondem quando
comprovado que não houve falha no serviço educacional, ou seja, que agiram e
vigiaram adequadamente. Isso, juridicamente, quer dizer que não houve falha ou
defeito na prestação do serviço, com o que se exclui a responsabilidade da
instituição de ensino.
Outra excludente comum é a prova de culpa exclusiva da
vítima, no caso, do aluno, que desobedece a uma ordem expressa, que praticou
ato escondido sem permitir a vigilância etc. Se não há defeito no serviço ou se
ocorre culpa exclusiva da vítima no evento, a instituição de ensino está
desobrigada de qualquer indenização.
Devemos lembrar, neste raciocínio, que a responsabilidade de
provar que não há falha no serviço ou de que houve culpa exclusiva da vítima, é
sempre da escola! Então, percebe-se, a partir disso, que a instituição de
ensino deve agir, no sentido de guardar e vigiar, e deve manter arquivos
documentais e provas que demonstrem que fez isso!
Realmente, se houver um
acidente e a escola for acionada na justiça ela deverá comprovar que fez tudo o
que era necessário e estava ao seu alcance para evitar o acidente e para
socorrer o aluno! Até um livro para o registro das ocorrências pode se tornar
importante para comprovar tudo o que foi feito!
Outro ponto a se considerar é a culpa “in elligendo”, ou
seja, culpa por escolher mal os professores e a culpa “in vigilando”, ou seja,
culpa por não vigiar a ação dos professores, sobretudo, em eventos externos ou
em eventos esportivos, já que nestes casos há maior risco do que o normal.
Justifica-se que nestes momentos mantenha-se uma equipe ou alguém responsável
justamente por isso, controlar tais atividades e agir imediatamente caso seja
necessário. É preciso conferir o espaço de forma cotidiana. Uma trave de
futebol que cai por não ter sido fixada corretamente, um balanço que se rompe
por conta de cordas velhas etc. tudo isso pode ser prejudicial! E, não basta
fazer, é preciso manter prova de que foi feito!
Inclusive, em eventos que tenham como objetivo o marketing
ou atividades extraclasse, envolvendo não alunos e até mesmo pais ou irmãos de
alunos, deve-se manter o mesmo atendimento, pois para efeitos do Código de
Defesa do Consumidor, trata-se de equiparável relação de consumo, pois os
objetivos são também comerciais!
Além do que já foi dito é importante que a instituição de
ensino mantenha uma ficha cadastral bem completa sobre cada aluno, preenchida e
assinada pelo responsável, atualizada no mínimo uma vez por ano.
3 - Vejamos como tem decidido o Tribunal de Justiça de São
Paulo em casos desta natureza:
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Comarca: Araçatuba
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Data do julgamento: 18/04/2012
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Ementa: APELAÇÃO AÇÃO INDENIZATÓRIA DANO MORAL -
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS Preenchimento de todos os pressupostos
recursais Litigância de má-fé não verificada - Menor que, ao praticar
atividade esportiva dentro das dependências do colégio, sofre acidente,
tropeçando em colega de turma, do qual resulta fratura em seu braço direito
Instituição de ensino que não providencia
o atendimento médico cabível, por profissional capacitado,
apto a determinar a extensão da lesão, limitando-se a aplicar pomada no
local atingido Permanência do menor nas dependências do colégio por mais de
duas horas com o membro fraturado, sem o atendimento necessário
Violação do dever de guarda e manutenção da integridade física
do aluno Falha na prestação do serviço Art. 14 do CDC - Dano
moral in re ipsa Indenização no montante de R$ 5.000,00, que se mostra
adequada para sanar de forma justa a lide Recurso provido
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Comarca: São Paulo
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Data do julgamento: 15/08/2011
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Ementa: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - Lei n°
8.078, de 11.9.90 - Prestação de serviços educacionais - Aplicabilidade -
Inversão do ônus da prova determinada, ex officio - Possibilidade -
O aluno é consumidor para os efeitos do Código de Defesa do
Consumidor - Recurso não provido. DANOS MORAIS - Instituição de ensino -
Contrato de prestação de serviços educacionais - O Autor estava brincando
na escola, tropeçou com um colega e caiu - Os documentos acostados (fls.
79/88) e os laudos de fls. 137/141 e 149/150 demonstraram que o Autor é
portador de uma neoplasia óssea benigna (cisto ósseo), que o torna sujeito
ao risco mais elevado de fratura, não se provando qualquer conduta
da escola que pudesse gerar o dever de indenizar - Trata-se de mero
encontrão entre alunos, corriqueiro nos ambientes escolares -
Inexistência de nexo causal entre o fato e os alegados danos morais -
Inocorrência de má prestação dos serviços educacionais - Artigo 14,
"caput", CDC - Dano moral inexistente e inocorrente - Recurso não
provido.
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Comarca: São Bernardo do Campo
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Data do julgamento: 24/05/2011
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Ementa: Ação de indenização julgada procedente, em parte, para
condenar a co-ré, que organizou evento comemorativo no qual o autor, pai de
um aluno, sofreu lesão em jogo de futebol recreativo, a pagar verba
compensatória Apelo do vencido e do autor Ausência de responsabilidade
subjetiva ou objetiva pelo acidente Inexistência de defeito ou de vício no
serviço prestado Autor que precisou
de atendimento médico-hospitalar - Primeiros socorros prestados,
sem prova de qualquer agravamento da lesão por conta de alegada insuficiência
destes Recurso provido para inverter o resultado da sentença Recurso do
autor, com preliminar de cerceio de defesa, e pleito de majoração da verba
Desnecessidade de renovação da prova porque a perícia comprovou os fatos
necessários ao julgamento da demanda Preliminar rejeitada e apelação
prejudicada
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Comarca: São Paulo
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Data do julgamento: 01/09/2009
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Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS.
CRIANÇA QUE SOFRE ACIDENTE NA ESCOLA E SE FERE. ATENDIMENTO PRONTO
POR PARTE DO PESSOAL FUNCIONAL DO ESTABELECIMENTO. COMPARECIMENTO QUASE
IMEDIATO DA MÃE AO ESTABELECIMENTO E ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE QUANTO A
PROPICIAR AO FILHO OS CUIDADOS MÉDICOS REQUERIDOS. AUSÊNCIA DE DANO
MORAL IMPUTÁVEL À PREFEITURA. APELO DA AUTORA DESPROVIDO. Crianças estão
sujeitas às vicissitudes das quedas e dos ferimentos, normais em sua idade e
diante da natural postura irrequieta dessa fase. Se houve, por parte dos
responsáveis na escola, providências tendentes a minimizar os efeitos desse
episódio, não há porque carrear à Municipalidade uma condenação por danos
morais e materiais a que não deu causa, nem contribuiu para que surgissem.
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4 – Os julgados acima identificam realmente que o dever de guarda e
vigilância existe, mas quando a Instituição de Ensino comprova que agiu
conforme o necessário, cumprindo com sua obrigação legal, não terá a escola o
dever de indenizar eventuais danos.
É preciso organizar todo o aparato de proteção desde a matrícula, com o
preenchimento de ficha cadastral completa do aluno, e até cuidados mais
específicos com eventos e festividades, redobrando a atenção nestes casos.
De todo modo, a instituição que adota cuidados e consegue comprovar
isso depois terá condições de comprovar que não houve defeito no serviço
prestado e, assim, não será civilmente responsável pelos danos eventualmente
ocorridos.
Luis Fernando Rabelo Chacon é especialista em responsabilidade civil e
também em direito educacional, além de ter experiência na gestão de instituições
de ensino.