A questão da legalidade do encerramento de um curso ou de uma turma diante do número mínimo de alunos que o frequentam é importantíssimo para diversas instituições de ensino, inclusive, faculdades, escolas de cursos livres, e até mesmo escolas de ensino médio e fundamental. A questão precisa ser pontuada, como abaixo, se verifica.
Tal como previsto pelo artigo 207 da
Constituição Federal de 1988, as instituições de ensino gozam, por direito, de
autonomia didático científica e de gestão financeira e patrimonial. Assim,
podemos então afirmar, categoricamente, que a manutenção, ou não, de uma
determinada turma e/ou curso por ela ofertado quando este é frequentado por um
número insignificante de alunos configura-se ato unilateral decorrente dessa
autonomia gerencial do próprio negócio quando precedida de alguns cuidados a
serem a seguir elencados, não sendo dada procedência aos eventuais pleitos de
danos morais eventualmente requeridos pelos alunos afetados, nessas situações.
Em verdade, a relação estabelecida entre
aluno e instituição de ensino, embora pautada numa expectativa de sequencia dos
estudos ali ministrados, perfaz-se anualmente e/ou semestralmente, conforme bem
dispõe as condições norteadoras do curso em questão, as quais devem,
necessariamente, serem firmadas em instrumento contratual próprio.
Assim, caso haja cláusula contratual expressa
nesse instrumento regulador da relação havida entre aluno X instituição permitindo
a esta última a possibilidade de não composição, para o próximo ano e/ou
semestre, da turma até então existente, caso não fosse atingido o número mínimo
de alunos necessários à manutenção da mesma, tem-se que a instituição poderia
assim agir, desde que esse “número mínimo” fosse prévia e formalmente indicado
e, na eventualidade de ocorrência dessa hipótese, fossem os alunos
remanescentes amparados através de convênio a ser firmado pela instituição que
encerra suas atividades e uma outra, que os receba em curso e turma similares,
aproveitando todo o ensino já adquirido até então por estes mesmos alunos.
Essa é, inclusive, a inteligência do todo
discutido pela apelação julgada, recentemente, pelo TJSP (processo n.º
0051356-25.2009.8.26.0000, proveniente da Comarca de São Paulo, SP), cuja
ementa abaixo segue:
Indenização. Danos
morais. Prestação de serviços educacionais. Encerramento de curso em virtude da
insuficiência de alunos matriculados. Prerrogativa do estabelecimento de ensino
prevista contratualmente. Ré que firmou convênio com outra instituição garantindo
condições especiais para a transferência dos alunos matriculados no curso
extinto. Ausência de ato ilícito apto a gerar indenização por dano moral. Ação
julgada improcedente. Sentença mantida. Recurso improvido.
Temos, diante do todo supracitado, que tal
estipulação contratual não é abusiva, eis que, como invocado, ela encontra
amparo no ordenamento jurídico pátrio.
E para que não paire dúvida nenhuma acerca
dessa legalidade de ação por parte das instituições de ensino (desde que
respeitadas (1) a previsão dessa ocorrência no contrato norteador de tal
relação, e (2) prestado o auxílio/encaminhamento dos alunos remanescentes
desse curso encerrado para outra instituição a ser conveniada e que os receba
aproveitando todo o aprendizado até então a eles ofertado), ressaltamos, na
íntegra, o posicionamento adotado pelo eminente Desembargador Nelson Jorge
Júnior, por ocasião do julgamento da Apelação n.º 0086027-74.2009.8.26.0000,
tendo ele assim consignado que:
“... o fechamento do
curso no final do semestre letivo por ausência de número mínimo de alunos que
viabilize a sua manutenção é ato discricionário da instituição de ensino, que,
segundo o artigo 207 da Constituição Federal, goza de 'autonomia
didático-científica e de gestão financeira e patrimonial'. Além disso, cumpre
salientar que de acordo com o artigo 53 da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de
1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que regulamenta a citada
autonomia das universidades, prevê em seu inciso I, a atribuição de extinguir
cursos de educação superior.
Assim, estando expresso
no instrumento contratual, bem como previsto em Lei Federal que regula as
instituições de ensino no país, verifica-se que a extinção do curso pela ré se
deu em exercício regular de seu direito. E essa cláusula contratual não enseja
intelecção no sentido dela estar a descumprir os direitos do consumidor,
porquanto o encerramento se deu pelo número reduzido de alunos, o que
inviabilizou a continuidade, ou seja, razões de ordem econômica e financeira
impossibilitou aquele prosseguimento e, portanto, não se trata de ato abusivo
ou propaganda enganosa. Logo, havendo amparo na lei para que o instituto de
educação pudesse encerrar aquela classe de ensino, não há que se cogitar na
existência de prejuízo material ou moral, visto ter sido praticado ato lícito”
(TJSP - 17ª Câm. Dir. Priv. - j. 20/03/2013).
Cumpre ainda observar em ambos os casos acima
relacionados que a instituição de ensino encerrou os cursos por ela até então
disponibilizados pelo acentuado déficit financeiro ali havido, o que certamente
não ocorreria se houvesse o número mínimo de alunos, sendo certo que, até então,
os serviços foram efetivamente prestados, cabendo observar que, mesmo diante do
encerramento do curso, tais instituições não abandonaram os alunos à própria
sorte, mas firmaram convênios com instituições conceituadas e similares,
garantindo condições especiais para seus egressos.
Assim sendo, não há como se reconhecer a prática
de ato ilícito capaz de gerar dano moral indenizável, posto que foi facultado à
recorrente a transferência para outro estabelecimento de ensino, com aproveitamento
das matérias estudadas.
Ocorre que para caracterizar o dano moral não
basta a existência de qualquer contrariedade, dissabor ou incômodo, sendo
necessária a existência de dano grave a direito de personalidade, dano este que
deve estar relacionado a um comportamento ilícito de outrem. Caso contrário,
não se cogita da responsabilidade prevista no artigo 186 do Código Civil.
Esta é, inclusive, a posição adotada pelo
Tribunal de Justiça de são Paulo acerca do assunto, como abaixo se percebe:
“APELAÇÃO - AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS –
Descontinuidade do curso em razão da insuficiência de alunos - Aplicação do
artigo 53 da Lei n. 9.394/96 - NÃO CONFIGURAÇÃO DO ILÍCITO - AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS
NECESSÁRIOS A ENSEJAR A REPARAÇÃO DE DANOS - Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito - O autor não se desincumbiu
do ônus de demonstrar fato constitutivo do seu direito - Não restou demonstrado
que a conduta por parte da ré tenha causado sofrimento passível de indenização
- Danos não demonstrados - Inteligência do artigo 333, inciso I, do Código de
Processo Civil e do artigo 186 do Código Civil - Sentença mantida - Recurso
improvido” (TJSP - Apelação n° 9151665-32.2008.8.26.0000 - Rel. Des. LUIS FERNANDO
NISHI 32ª Câm. Dir. Priv. - j. 12/04/2012).
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