A matrícula escolar e os efeitos
contratuais da desistência do aluno antes do início das aulas!
Um
dos temas que mais preocupam as instituições de ensino, ou os alunos, é o fato
de que nem sempre o aluno matriculado continua interessado no serviço educacional
e acaba desistindo daquela escolha inicial, buscando com isso outra instituição
e, por conta do mesmo fato, desistindo da matrícula que havia efetuado na
primeira instituição. Qual o direito da escola? Qual o direito do aluno?
Os
contratos de prestação de serviços educacionais quase sempre trazem cláusulas
específicas sobre desistência da matrícula e seus efeitos, seja a devolução de
valores, seja a retenção de taxas de administração, seja a questão de material
escolar, etc.
Entretanto,
é preciso que tais contratos estejam atentos ao que diz a jurisprudência dos
Tribunais Superiores, sobretudo, pela nítida aplicação das regras de direito do
consumidor. Por conta disso, elaboramos o presente texto, informativo para
gestores educacionais, alunos e responsáveis financeiros.
Não
há mais dúvida que as relações contratuais de ensino são pautadas por contratos
de prestação de serviços, contudo, vinculados às regras do Código de Defesa do
Consumidor. Por conta disso, o conteúdo do contrato deve ser visto e revisto
por um profissional da área jurídica para que as cláusulas atendam as demandas
desta legislação e, principalmente, permitam evitar que eventualmente um aluno
ou responsável leve o contrato para ser discutido judicialmente. Clareza,
transparência, renúncias de forma expressa, etc. são itens exemplificativos que
seriam certamente bem direcionados por um profissional ao revisar tais textos.
Lembre-se,
principalmente, que eventuais cláusulas abusivas poderão ser questionadas e
anuladas judicialmente, se necessário. Certamente, uma instituição de ensino
deve evitar o embate, até mesmo por que deste poderá ainda surgir eventual dano
moral decorrente de possível inscrição em cadastro de devedores, retenção de
documentos, etc.
A
cláusula que prevê a multa pela retenção do valor pago a título de matrícula
integralmente já foi considerada nula em diversos processos judiciais. Mas, as
instituições devem saber que é possível ter multa, mas é preciso saber como
instituir no contrato de forma segura e eficaz. Os Tribunais Superiores
entendem que a multa deve ser adequada a evitar o que se diz “enriquecimento
sem causa” e com isso fixa a multa em patamares de 10% a 20% do valor pago.
Acima disso há abusividade, com aplicação clara do artigo 51 do Código de
Defesa do Consumidor.
No
mesmo sentido, os efeitos da matrícula, que seria o pagamento de mensalidades e
ou material escolar passam a ser questionáveis, sobretudo quando feitos de
forma bem antecipada, tendo em vista que a desistência demonstra que o serviço
não será prestado e, portanto, nada mais poderá ser cobrado do referido aluno
ou responsável. Portanto, se parcelas foram pagas, em tese, devem ser
devolvidas e se estão em aberto não devem ser cobradas, pois inexigíveis. Esse
é o entendimento da jurisprudência.
A
desistência é algo previsível e tentar impedir isso punindo financeiramente de
forma demasiada o consumidor pode configurar, inclusive, violação ao princípio
contratual denominado boa fé objetiva, portanto, configurar má fé contratual, o
que também revela a nulidade de cláusulas do tipo.
Logicamente,
a Instituição de Ensino não está desprotegida contratualmente. Se o seu
contrato estiver redigido de forma adequada e prevendo estas circunstâncias pode
ser possível detalhar o formato da desistência, com prazos e valores expressos
no texto contratual. Sendo assim, cláusulas genéricas e taxativas, alerte-se,
são mais facilmente anuladas, em proteção ao interesse do consumidor.
Vale
dizer que a jurisprudência utilizada como paradigma o conteúdo do artigo 49 do
Código de Defesa do Consumidor em muitos casos, apontando que até 7 dias do
início efetivo da prestação dos serviços educacionais o aluno ou responsável
podem desistir do contrato, obtendo a devolução da matrícula e não estando
obrigado a outros pagamentos. Em outros casos a jurisprudência aponta que tal
desistência pode ocorrer até a data anterior ao início das aulas sendo que, nos
dois casos, entendem que o serviço não foi prestado, não cabendo cobrança de
mensalidades ou retenção integral da matrícula, evitando o enriquecimento sem
causa. Outrossim, entendem que haverá tempo suficiente para que a referida vaga
seja preenchida, não se justificando o argumento de que o serviço ficará
disponível ao aluno desistente.
Sendo
assim, uma dica importante para a construção de contratos de prestação de
serviços para instituições de ensino nos revela, dada a nossa experiência no
ramo, que é interessante colocar no contrato datas de desistência com
percentuais distintos de devolução, de forma a penalizar o aluno com percentual
maior da matrícula quanto menor o prazo entre o dia da desistência e o início
das aulas.
Outra
dica, mais importante, é o fato de que a instituição de ensino deve evitar
negativar o CPF do aluno ou responsável, cobrá-lo extrajudicial ou
judicialmente, pois isso pode resultar na configuração de dano moral e além de
ter que devolver valores a escola pode ser obrigada a pagar uma indenização, o
que também é possível encontrar na jurisprudência.
O
posicionamento apontado neste texto não é atual, vem de alguns anos de julgados
do setor educacional. Vejamos, por exemplo:
“Exigir o pagamento da matrícula e da primeira
mensalidade, logo após a aprovação no vestibular, é busca de lucro fácil, sabendo
que vários dos estudantes não vão cursar, pois serão aprovados em outras
faculdades. Válida seria a cláusula de perda parcial da matrícula, como ocorre
em várias Universidades, quando se devolve 70% do valor, e neste caso funciona
como cláusula penal e prefixação de indenização, mas pretender a perda integral
é conduta abusiva, contrária ao consumidor, o que não poderia mesmo
prevalecer”. (Recurso
nº 1.299, Segundo Colégio Recursal da Capital, julgado em 1.7.98, votação
unânime, Relator Juiz Ribeiro dos Santos)
“Taxa de matrícula e primeira mensalidade – Pedido de devolução – Curso ainda
não iniciado – Direito reconhecido – Recurso improvido – É devida a devolução
da taxa de matrícula e da mensalidade, quando o aluno desiste do curso antes do
seu início, sob pena de ocasionar enriquecimento ilícito por parte da escola.” (Recurso nº 2.016, Segundo
Colégio Recursal da Capital, julgado em 25.8.99, voto unânime, Relator Juiz
Barros Nogueira)
“CONTRATO
‑ Prestação de serviços – Celebração no estabelecimento do prestador ‑
Desistência manifestada pelo consumidor no dia seguinte ‑ Admissibilidade ‑
Interpretação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor – Ação procedente
– Recurso provido. Se o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor permite o
arrependimento do consumidor porque, provavelmente não viu ou não conhece o
produto, pois adquirido fora do estabelecimento comercial, a mesma proteção
deve ser estendida ao adquirente dos serviços não executados de imediato no
estabelecimento comercial”. (Apelação Cível n. 262.603‑2 ‑
São Paulo – 9a. Câmara Civil – Relator Des. Accioli Freire ‑
21.09.95 ‑ V.U.).
Por fim,
o Item 16 da Portaria nº 3, de 15 de Março de 2001, da SECRETARIA DE DIREITO
ECONÔMICO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, considera abusiva a cláusula que “vede, nos serviços educacionais, em face de
desistência pelo consumidor, a restituição de valor pago a título de pagamento
antecipado de mensalidade”, o que dispensa explicação.
E,
por fim, ressalta-se um último e agora recente julgado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, finalizando o tema:
Voto n. 1334 – 3ª
Câmara Extraordinária de Direito Privado
Apelação n.
0001997-35.2005.8.26.0554
Comarca: Santo André
8ª Vara Cível
Apelantes: Silvana
Aparecida Santos e Suellen Aparecida
Santos
Apelado: Sérgio Gomes
Vital Me
Apelação cível.
Prestação de serviços educacionais. Ação de nulidade de cláusula contratual
cumulada com danos morais. Desistência de curso pré-vestibular. Incidência do Código
de Defesa do Consumidor. Abusividade de cláusula contratual que prevê
desistência somente por escrito e inibe restituição de valor pago em título de
matrícula. Inexistência de contraprestação. Comprometimento do nome das autoras
em órgãos de restrição ao crédito. Dano moral reconhecimento. Indenizatória
fixada em R$3.000,00 para cada uma das suplicantes. Sentença reformada. Recurso
provido.
Se a
regra é considerar abusiva a retenção da matrícula de forma integral é também
fácil concluir que as mensalidades não são devidas, pois o serviço não foi
prestado. No caso do material escolar, salvo exista declaração expressa e
escrita do aluno ou responsável assumindo o risco de pagar o material em caso
de desistência até determinada data (não pode ser genérica a cláusula)
dificilmente a instituição de ensino conseguirá sustentar ou argumentar esta
cobrança.
Isso
tudo exige um olhar gerencial preparado por regras jurídicas específicas do
setor educacional. Por fim, esperamos que o presente texto sirva de alerta e
orientação aos gestores educacionais e aos pais e responsáveis por contratos
desta natureza.