A escola não é obrigada a conceder o chamado "desconto para irmãos".
Não
raro há pais que procuram as secretarias e/ou tesourarias das instituições de
ensino que prestam serviços educacionais a seus filhos para então pleitear, por
vezes de forma contundente, direito que alegam ter no tocante à concessão de
descontos aplicados aos valores de anuidade de segundos e/ou demais alunos de
uma mesma família contratante.
Entretanto,
é preciso tratarmos o assunto com a cautela necessária e então analisarmos se
esse “direito” é mesmo real ou apenas fruto de uma prática habitual adotada,
como estratégia mercadológica de fidelização de clientes, pelas escolas em
geral?
Em
verdade, o que é preciso ressaltar é que a relação jurídica estabelecida entre
alunos e instituições de ensino é uma típica relação de consumo, sujeita,
portanto, aos princípios e normas cogentes de ordem pública e interesse social,
tal como previstas no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Ademais, tal relação fora, posteriormente, melhor tratada e/ou complementada
com o todo trazido pela lei nº 9.870/99, onde direitos foram assegurados aos
alunos, como, por exemplo, aquele relacionado à condições norteadoras da renovação da matrícula, a proibição de
suspensão de provas escolares, a proibição de retenção de documentos escolares
ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas decorrentes de
eventuais inadimplementos financeiros.
Desta
forma, temos que a relação em comento deve estar totalmente pautada nas
diretrizes trazidas pela Constituição Federal pátria, analisada em conjunto com
os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Anuidade Escolar,
acima citada. E, se nenhum dos três ordenamentos em questão traz,
expressamente, a obrigação atribuída às escolas de concederem descontos
progressivos para segundos, terceiros ou mais filhos de uma mesma família
contratante ali matriculados, não há, por conseguinte, legitimidade alguma
nessa obrigação que muitos pais tentam imputar a tais instituições.
Aliás,
o embasamento jurídico trazido por esses pais ao pleitearem e/ou exigirem esse
“direito” que imaginam deter é o artigo 24 do Decreto-Lei n.º 3.200, de 1941,
que expressamente determina que “as taxas
de matrícula, de exame e quaisquer outras relativas ao ensino, serão cobradas
com as seguintes reduções, para as famílias com mais de um filho: para o
segundo filho, redução de vinte por cento; para o terceiro, de quarenta por
cento; para o quarto e seguintes, de sessenta por cento”.
Entretanto,
o que muitos desconhecem, embora legítimo, é que essa obrigação acima disposta
não fora recepcionada pela CF/88 e pelos novos parâmetros fixados pelo
Decreto-lei 532/69, nem tampouco pela legislação posterior que trata das
questões relacionadas ao consumo em geral (Código de Defesa do Consumidor – lei
n.º 8.078/90), nem por aquela que trata das condições para fixação da anuidade
escolar (lei n.º 9.870/99), estando, portanto, tacitamente revogado tal
artigo 24 do decreto-lei 3.200/41.
Assim,
resta comprovado que eventual desconto concedido atualmente pelas instituições
de ensino a título de “desconto irmãos” ocorre por total liberalidade desta,
não havendo qualquer legitimidade dos pais que tentam impô-lo no grito, seja a
que título ou tempo for.
Esta,
inclusive, é a inteligência da jurisprudência mais atual havida sobre o tema,
como abaixo transcrito:
PODER
JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – 26a Câmara. APELAÇÃO
COM REVISÃO N° 945.685-00/2 SÃO PAULO. EMENTA: A bonificação concedida em razão da condição familiar de irmãos
matriculados na mesma escola constitui mera liberalidade da prestadora de
serviço, tendo em vista a revogação tácita do art. 24 do Decreto-Lei 3.200/41
por legislação posterior que regulou toda a matéria e não previu o referido
desconto. Portanto, a cobrança deverá se basear no valor da parcela
vencida sem o referido desconto.
APELANTE:
********. APELADA: ********. EMENTA: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO –
MENSALIDADES ESCOLARES – COBRANÇA – IRMÃOS MATRICULADOS NO MESMO
ESTABELECIMENTO DE ENSINO – INADIMPLÊNCIA COMPROVADA – DESCONTO – LIBERALIDADE
DO PRESTADOR DE SERVIÇOS – CONTRATO – DEVER DE CUMPRIMENTO – LITIGÃNCIA DE
MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA – RECURSO PROVIDO... Busca-se na presente ação o
recebimento de mensalidades escolares devidas pela ré apelada, tendo como
alunos e beneficiários seus três filhos. Da pretensão inicial extrai-se que as
parcelas cobradas referem-se ao ano letivo de 2003, sendo que estão em aberto
as mensalidades dos meses de março e abril dos filhos Felipe e Marcus Vinícius,
e as parcelas dos meses de março, abril, maio, junho e julho da filha Amanda.
Os documentos de fls. 25/27 comprovam a relação jurídica entre as partes,
garantindo a viabilidade da presente ação de cobrança. E, na cópia reprográfica
juntada às fls. 66 pela própria apelada, há reconhecimento expresso de parte da
dívida pleiteada, não havendo nos autos insurgência quanto às demais parcelas
cobradas, resultando incontroversa a dívida e sua exigibilidade. Insurge-se a
autora apenas quanto ao valor devido, devendo para tanto ser apurada a natureza
jurídica do desconto concedido aos alunos, filhos da apelada, e a possibilidade
de cobrar o valor integral da mensalidade no caso de inadimplência, acrescido
de juros e multa. Os documentos de fls. 25/28 e 36/37 servirão de base para o
deslinde da controvérsia, considerada sua posterioridade em relação àqueles
juntados às fls. 62/64. Nesse sentido, no ano letivo de 2003, em que Amanda e
Felipe cursaram a 5a série do ensino fundamental, e Marcus Vinícius, a 8a série,
era pago o valor líquido de RS 28,60 para o aluno Felipe (93% de desconto), R$
330,01 para Amanda (16,7% de desconto) e R$ 28,60 para Marcus Vinícius (92% de
desconto). As bonificações, nos termos da primeira observação constante nas
fichas financeiras de fls. 25/27, decorrem da condição familiar dos alunos. O desconto para irmãos matriculados no
mesmo estabelecimento de ensino era garantido pelo Decreto-lei 3.200/41, que
dispõe sobre a organização e proteção da família, não recepcionado pela
Constituição Federal de 1988, e pela implantação de novo sistema nos termos do
Decreto-lei 532/69, que passou a regular a “fixação e o reajuste de anuidades,
taxas e demais contribuições correspondentes aos serviços educacionais,
prestados pelos estabelecimentos federais, estaduais, municipais e particulares”
(art. 1º).Nesse sentido, o seguinte aresto do Colendo Superior Tribunal de
Justiça: “DIREITO ECONÔMICO. ENSINO.
MENSALIDADE ESCOLAR. DESCONTO PARA MAIS DE UM FILHO ESTUDANTE DO MESMO COLÉGIO.
IMPOSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DO ART. 24 DO DECRETO-LEI 3.200/41. LICC, ART. 2o, §
V. RECURSOS PROVIDOS. Não persiste o desconto na mensalidade escolar em virtude
de mais de um filho estudar na mesma escola, tendo em vista a revogação tácita
do art. 24 do Decreto-Lei 3.200/41 por legislação posterior que regulou toda a
matéria e não previu o referido desconto. (REsp 168339/SP RECURSO
ESPECIAL 1998/0020643-4, Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4a Turma, DJ
16.08.1999p. 74 RJADCOAS vol. 3p. 64).” Em face disso, a bonificação concedida
em razão da condição familiar dos filhos da apelada constitui-se mera
liberalidade do estabelecimento de ensino prestador de serviço. Verificada a
natureza estritamente contratual da bonificação atribuída aos filhos da
apelada, de rigor observar-se a vontade das partes na contratação, em
obediência ao princípio do “pacta sunt servanda ” e da livre vontade de
contratar. As fichas financeiras de fls. 25/27 prevêem, expressamente, a
solução para o presente caso, ao dispor que “após o vencimento serão cobrados
juros e multas sobre o valor integral. Não se pretende aqui olvidar da nova
sistemática civilista na busca da melhor interpretação das disposições
contratuais de forma a atender a função social do contrato, mas sim, considerar
a vontade das partes para alcançar a estabilidade das relações contratuais. Do
exposto, a cobrança deverá se basear no valor da parcela vencida sem o desconto
por condição familiar, ou seja, R$ 396,41 para cada aluno, acrescida de juros
de mora de 1% ao mês a contar da citação (art. 405 do atual Código Civil) e
multa de 2% ao mês, nos termos do artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do
Consumidor, aplicável à espécie. Por fim, não verificada qualquer das hipóteses
autorizadoras desta medida no artigo 17, do Código de Processo Civil, improcede
o pedido de condenação da autora às penas por litigância de má-fé. Dou
provimento ao recurso para julgar integralmente procedente a ação de cobrança e
condenar a apelada ao pagamento das mensalidades cobradas nos termos acima
expostos, fixados os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da
condenação, a cargo da ré. Norival Oliva – Relator.
Desta forma, ainda que o PROCON/SP incite os
pais de mais de dois filhos em idade escolar e vinculados a uma mesma
instituição de ensino a requerer tal desconto com base no já citado artigo 24
do Decreto- Leia n.º 3.200/41, o fato é que não existe legitimidade nenhuma a
tal pleito, podendo a escola se negar a concedê-lo, caso não seja essa uma
prática comercial por ela adotada, defendendo-se com total embasamento diante
de uma discussão judicial havida sobre o tema, que, aliás, deverá, por direito,
ser julgado improcedente.
Cordialmente,
CMO ADVOGADOS
Cláudio Pereira Júnior
Luis Fernando Rabelo Chacon