24 de fevereiro de 2014

"Desconto para irmãos" é obrigatório ou opcional?

A escola não é obrigada a conceder o chamado "desconto para irmãos".

Não raro há pais que procuram as secretarias e/ou tesourarias das instituições de ensino que prestam serviços educacionais a seus filhos para então pleitear, por vezes de forma contundente, direito que alegam ter no tocante à concessão de descontos aplicados aos valores de anuidade de segundos e/ou demais alunos de uma mesma família contratante.

Entretanto, é preciso tratarmos o assunto com a cautela necessária e então analisarmos se esse “direito” é mesmo real ou apenas fruto de uma prática habitual adotada, como estratégia mercadológica de fidelização de clientes, pelas escolas em geral?

Em verdade, o que é preciso ressaltar é que a relação jurídica estabelecida entre alunos e instituições de ensino é uma típica relação de consumo, sujeita, portanto, aos princípios e normas cogentes de ordem pública e interesse social, tal como previstas no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Ademais, tal relação fora, posteriormente, melhor tratada e/ou complementada com o todo trazido pela lei nº 9.870/99, onde direitos foram assegurados aos alunos, como, por exemplo, aquele relacionado à condições norteadoras da  renovação da matrícula, a proibição de suspensão de provas escolares, a proibição de retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas decorrentes de eventuais inadimplementos financeiros.

Desta forma, temos que a relação em comento deve estar totalmente pautada nas diretrizes trazidas pela Constituição Federal pátria, analisada em conjunto com os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Anuidade Escolar, acima citada. E, se nenhum dos três ordenamentos em questão traz, expressamente, a obrigação atribuída às escolas de concederem descontos progressivos para segundos, terceiros ou mais filhos de uma mesma família contratante ali matriculados, não há, por conseguinte, legitimidade alguma nessa obrigação que muitos pais tentam imputar a tais instituições.

Aliás, o embasamento jurídico trazido por esses pais ao pleitearem e/ou exigirem esse “direito” que imaginam deter é o artigo 24 do Decreto-Lei n.º 3.200, de 1941, que expressamente determina que “as taxas de matrícula, de exame e quaisquer outras relativas ao ensino, serão cobradas com as seguintes reduções, para as famílias com mais de um filho: para o segundo filho, redução de vinte por cento; para o terceiro, de quarenta por cento; para o quarto e seguintes, de sessenta por cento”.

Entretanto, o que muitos desconhecem, embora legítimo, é que essa obrigação acima disposta não fora recepcionada pela CF/88 e pelos novos parâmetros fixados pelo Decreto-lei 532/69, nem tampouco pela legislação posterior que trata das questões relacionadas ao consumo em geral (Código de Defesa do Consumidor – lei n.º 8.078/90), nem por aquela que trata das condições para fixação da anuidade escolar (lei n.º 9.870/99), estando, portanto, tacitamente revogado tal artigo  24 do decreto-lei 3.200/41.

Assim, resta comprovado que eventual desconto concedido atualmente pelas instituições de ensino a título de “desconto irmãos” ocorre por total liberalidade desta, não havendo qualquer legitimidade dos pais que tentam impô-lo no grito, seja a que título ou tempo for.

Esta, inclusive, é a inteligência da jurisprudência mais atual havida sobre o tema, como abaixo transcrito:

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – 26a Câmara. APELAÇÃO COM REVISÃO N° 945.685-00/2 SÃO PAULO. EMENTA: A bonificação concedida em razão da condição familiar de irmãos matriculados na mesma escola constitui mera liberalidade da prestadora de serviço, tendo em vista a revogação tácita do art. 24 do Decreto-Lei 3.200/41 por legislação posterior que regulou toda a matéria e não previu o referido desconto. Portanto, a cobrança deverá se basear no valor da parcela vencida sem o referido desconto.

APELANTE: ********. APELADA: ********. EMENTA: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO – MENSALIDADES ESCOLARES – COBRANÇA – IRMÃOS MATRICULADOS NO MESMO ESTABELECIMENTO DE ENSINO – INADIMPLÊNCIA COMPROVADA – DESCONTO – LIBERALIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS – CONTRATO – DEVER DE CUMPRIMENTO – LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA – RECURSO PROVIDO... Busca-se na presente ação o recebimento de mensalidades escolares devidas pela ré apelada, tendo como alunos e beneficiários seus três filhos. Da pretensão inicial extrai-se que as parcelas cobradas referem-se ao ano letivo de 2003, sendo que estão em aberto as mensalidades dos meses de março e abril dos filhos Felipe e Marcus Vinícius, e as parcelas dos meses de março, abril, maio, junho e julho da filha Amanda. Os documentos de fls. 25/27 comprovam a relação jurídica entre as partes, garantindo a viabilidade da presente ação de cobrança. E, na cópia reprográfica juntada às fls. 66 pela própria apelada, há reconhecimento expresso de parte da dívida pleiteada, não havendo nos autos insurgência quanto às demais parcelas cobradas, resultando incontroversa a dívida e sua exigibilidade. Insurge-se a autora apenas quanto ao valor devido, devendo para tanto ser apurada a natureza jurídica do desconto concedido aos alunos, filhos da apelada, e a possibilidade de cobrar o valor integral da mensalidade no caso de inadimplência, acrescido de juros e multa. Os documentos de fls. 25/28 e 36/37 servirão de base para o deslinde da controvérsia, considerada sua posterioridade em relação àqueles juntados às fls. 62/64. Nesse sentido, no ano letivo de 2003, em que Amanda e Felipe cursaram a 5a série do ensino fundamental, e Marcus Vinícius, a 8a série, era pago o valor líquido de RS 28,60 para o aluno Felipe (93% de desconto), R$ 330,01 para Amanda (16,7% de desconto) e R$ 28,60 para Marcus Vinícius (92% de desconto). As bonificações, nos termos da primeira observação constante nas fichas financeiras de fls. 25/27, decorrem da condição familiar dos alunos. O desconto para irmãos matriculados no mesmo estabelecimento de ensino era garantido pelo Decreto-lei 3.200/41, que dispõe sobre a organização e proteção da família, não recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e pela implantação de novo sistema nos termos do Decreto-lei 532/69, que passou a regular a “fixação e o reajuste de anuidades, taxas e demais contribuições correspondentes aos serviços educacionais, prestados pelos estabelecimentos federais, estaduais, municipais e particulares” (art. 1º).Nesse sentido, o seguinte aresto do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “DIREITO ECONÔMICO. ENSINO. MENSALIDADE ESCOLAR. DESCONTO PARA MAIS DE UM FILHO ESTUDANTE DO MESMO COLÉGIO. IMPOSSIBILIDADE. REVOGAÇÃO DO ART. 24 DO DECRETO-LEI 3.200/41. LICC, ART. 2o, § V. RECURSOS PROVIDOS. Não persiste o desconto na mensalidade escolar em virtude de mais de um filho estudar na mesma escola, tendo em vista a revogação tácita do art. 24 do Decreto-Lei 3.200/41 por legislação posterior que regulou toda a matéria e não previu o referido desconto. (REsp 168339/SP RECURSO ESPECIAL 1998/0020643-4, Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4a Turma, DJ 16.08.1999p. 74 RJADCOAS vol. 3p. 64).” Em face disso, a bonificação concedida em razão da condição familiar dos filhos da apelada constitui-se mera liberalidade do estabelecimento de ensino prestador de serviço. Verificada a natureza estritamente contratual da bonificação atribuída aos filhos da apelada, de rigor observar-se a vontade das partes na contratação, em obediência ao princípio do “pacta sunt servanda ” e da livre vontade de contratar. As fichas financeiras de fls. 25/27 prevêem, expressamente, a solução para o presente caso, ao dispor que “após o vencimento serão cobrados juros e multas sobre o valor integral. Não se pretende aqui olvidar da nova sistemática civilista na busca da melhor interpretação das disposições contratuais de forma a atender a função social do contrato, mas sim, considerar a vontade das partes para alcançar a estabilidade das relações contratuais. Do exposto, a cobrança deverá se basear no valor da parcela vencida sem o desconto por condição familiar, ou seja, R$ 396,41 para cada aluno, acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação (art. 405 do atual Código Civil) e multa de 2% ao mês, nos termos do artigo 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à espécie. Por fim, não verificada qualquer das hipóteses autorizadoras desta medida no artigo 17, do Código de Processo Civil, improcede o pedido de condenação da autora às penas por litigância de má-fé. Dou provimento ao recurso para julgar integralmente procedente a ação de cobrança e condenar a apelada ao pagamento das mensalidades cobradas nos termos acima expostos, fixados os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, a cargo da ré. Norival Oliva – Relator.

Desta forma, ainda que o PROCON/SP incite os pais de mais de dois filhos em idade escolar e vinculados a uma mesma instituição de ensino a requerer tal desconto com base no já citado artigo 24 do Decreto- Leia n.º 3.200/41, o fato é que não existe legitimidade nenhuma a tal pleito, podendo a escola se negar a concedê-lo, caso não seja essa uma prática comercial por ela adotada, defendendo-se com total embasamento diante de uma discussão judicial havida sobre o tema, que, aliás, deverá, por direito, ser julgado improcedente.

Cordialmente,


CMO ADVOGADOS
Cláudio Pereira Júnior

Luis Fernando Rabelo Chacon

12 de fevereiro de 2014

É possível solicitar comprovação de quitação de débitos com outra escola no ato da matrícula?

No ato do pedido de transferência e matrícula a instituição de ensino pode solicitar comprovação da quitação de débitos das mensalidades escolares da outra instituição?

Uma das situações que muitas vezes pode ser adotada como forma de combate à inadimplência escolar é a negativa de matrícula para alunos que estejam com débitos em outra instituição de ensino. Realmente, a escola particular tem o direito de recusar a matrícula, não estando obrigada a aceitar a matrícula de aluno que sabidamente está em débito com a instituição de ensino da qual está vindo transferindo.

Logicamente, o que não é permitida é a criação de uma listagem de inadimplentes, como foi chamada de “lista negra” ou cadastro de inadimplentes em instituições de ensino. Isso, certamente, ofenderia a privacidade e até seria vexatório. Contudo, não se confunde com o direito que a escola particular tem de aceitar ou não a matricula de um aluno nas condições acima expostas.

O que se tem em mente é que a instituição de ensino pode exigir comprovação da idoneidade financeira do aluno ou seu responsável. Sabe-se que o aluno inadimplente não pode sofrer sanções administrativas ou pedagógicas como a retenção de documentos, não realização de provas, etc.

Contudo, a escola que é procurada para o pedido de transferência tem o direito de conhecer os riscos sobre os quais recai aquela possível contratação. O fato é que a legislação vigente não proíbe a conduta acima apontada e, por isso, ela está autorizada, obviamente, com bom senso e limites para garantir que direitos do aluno não sejam violados.

O artigo 5º da Lei 9870 de 1999 que dispõe sobre mensalidades escolares, expõe que a escola pode negar a rematrícula do aluno inadimplente. O artigo 6º dispõe que o desligamento só pode ocorrer ao final do ano ou semestre letivo, não sendo lícito deixar de emitir documentos para a transferência do aluno.

No mesmo artigo 6º, em seu parágrafo 3º, o legislador dispõe que serão asseguradas as matrículas dos alunos que tiveram os contratos com a instituição privada suspensos em virtude do inadimplemento em estabelecimentos públicos de ensino fundamental e médio, inclusive, o parágrafo seguinte dispõe que se os pais não providenciarem a matrícula no estabelecimento público o órgão público estatal deverá fazê-lo de forma a garantia a continuidade do estudo.

Então, existe obrigatoriedade de matrícula apenas para a rede pública de ensino no caso dos alunos provenientes de instituições particulares cujos contratos não tenham sido renovados por movido de inadimplência. Não há exigência para a rede particular de ensino no sentido de receber alunos inadimplentes de outra instituição.
Isso se dá pela aplicação do princípio da liberdade contratual, da liberdade de contratação e também na função social do contrato, sobretudo, aqui, por que a escola particular não pode amargurar riscos financeiros para atender uma obrigação que é do Estado (garantir a educação de todos), até para evitar a inviabilização econômica do negócio o que demanda também interesse público (garantia da existência da empresa, garantia dos empregos que gera, garantia dos recolhimentos tributários, etc.).

Nossa opinião está, inclusive, de acordo com parecer jurídico exarado pelo Ministério Público do Estado do Ceará, no Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor – PROCON, em 16 de maio de 2008.

Logicamente e, por fim, a instituição de ensino não pode expor desnecessariamente a pessoa do aluno ou responsável financeiro pelo contrato, devendo atuar com todo o zelo necessário não somente quando da exigência como quando da informação de negativa de matrícula, mantendo a vida privada e a dignidade das pessoas envolvidas devidamente intactas e protegidas, evitando com isso possíveis ações de indenização por supostos danos morais ou materiais.


Conclui-se, então, que a instituição privada de ensino não é obrigada a receber e aceitar a matrícula de aluno inadimplente em outra instituição podendo, inclusive, solicitar a comprovação da quitação das mensalidades perante a outra escola tendo em vista que a lei não proíbe que tal ato seja praticado e, principalmente, garante ao aluno que teve a matrícula recusada seja efetivamente matriculado em rede pública de ensino, dando guarida à continuidade educacional constitucionalmente garantida.

6 de fevereiro de 2014

Material escolar: a lista dos proibidos!

Nesse período de matrículas e início do ano letivo, como já foi antecipado por este BLOG, a entrada em vigor de legislação (Lei 12886/2013) que regulamenta as questões relacionadas ao material escolar trouxe dúvidas para pais e gestores. O objetivo desta postagem é sob o ponto de vista legal orientar os interessados.


De fato, como sempre acontece, quando uma lei nova entra em vigor, ainda mais apontando direitos aos consumidores, estes fazem certo alvoroço, porém nem todos compreendem ao certo o problema envolvido, muito menos a solução e a intenção proposta pela nova legislação. Alguns, inclusive, buscam destorcer a real aplicabilidade da norma em benefício próprio, o que não deve proceder.

O fato é que não há impedimento algum para que uma escola venda material de ensino em suas dependências. Ela não pode obrigar o pai ou o aluno a comprar no local, sob pena de ser caracterizada prática abusiva prevista no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, alicerçada como "venda casada". Então, a escola pode efetuar a venda de material escolar em seu estabelecimento, obedecendo as normas em vigor para o exercício de tal atividade que é, certamente, diferente do seu objetivo social principal que é ofertar o ensino.

Mas, não é por esse motivo que a legislação apontada entrou em vigor. Na verdade, há muito tempo observou-se que as instituições de ensino exigiam na lista do material escolar do aluno itens que efetivamente seriam utilizados em prol de todos os alunos (chamados materiais de uso coletivo) e que, portanto, não poderiam ser exigidos individualmente. Muitas escolas incluíam na lista de material escolar grampeador, papel higiênico, giz, álcool, etc., produtos que não eram de uso individual. Com isso a instituição de ensino reduzia seu custo operacional transferindo ao consumidor uma obrigação financeira que não era compatível com o contrato de prestação de serviços assinado, onde se pressupões que a mensalidade é o necessário e suficiente para cobrir todos estes gastos coletivos que são, por tudo o que foi apontado, responsabilidade da escola.

Então, a instituição de ensino está proibida de pedir produtos na lista de materiais que sejam de uso coletivo vinculados, sobretudo, como itens de escritório, de limpeza, de atividades coletivas, etc. Já havia um consenso entre PROCON, Ministério Público e até mesmo instituições de ensino de que só material pedagógico de uso individual poderia ser indicado na lista de material. A lei só veio confirmar isso, sacramentando o assunto.

E o gestor perguntaria: e o custo disso, quem assume? Ora, na composição do preço da mensalidade escolar deverá a instituição de ensino considerar o custo, inclusive, documentando e arquivando o necessário para, caso seja solicitado, comprovar e justificar as razões de eventual aumento, para que não se considere abusivo. Isso também está autorizado pela própria legislação.

No mais, surgiram questionamentos quanto ao uniforme. Tal questão é mais complexa, pois como eles detém um logotipo da instituição de ensino não podem ser produzidos por qualquer confecção, senão quando efetivamente autorizados pela escola. Por isso, esta pode direcionar, com legitimidade para tanto, a cessão da marca para confecção de material e uniformes com o logotipo da escola, não sendo possível que qualquer outro estabelecimento não autorizado produza ou venda referidos uniformes.

Logicamente, não seria permitido que preços abusivos sejam praticados. Aconselhamos sempre que as escolas e os pais, conjuntamente, acompanhem não somente a qualidade do produto como o valor cobrado em comparação com o que existe no mercado. E como não é objetivo da escola ter vantagem financeira direta com isso, que indique nova confecção ou até mesmo promova autorização para mais de uma, visando que o mercado ajuste o preço da forma mais equilibrada possível. Aqui a regra é o bom senso!

Quer saber mais detalhes sobre qual material entra ou não entra na lista? Confira aqui uma matéria do PROCON RJ.

Até a próxima postagem!