16 de janeiro de 2015

Quando o aluno tranca a matrícula antes do início das aulas... quais os direitos dele e da escola?

A matrícula escolar e os efeitos contratuais da desistência do aluno antes do início das aulas!

Um dos temas que mais preocupam as instituições de ensino, ou os alunos, é o fato de que nem sempre o aluno matriculado continua interessado no serviço educacional e acaba desistindo daquela escolha inicial, buscando com isso outra instituição e, por conta do mesmo fato, desistindo da matrícula que havia efetuado na primeira instituição. Qual o direito da escola? Qual o direito do aluno?

Os contratos de prestação de serviços educacionais quase sempre trazem cláusulas específicas sobre desistência da matrícula e seus efeitos, seja a devolução de valores, seja a retenção de taxas de administração, seja a questão de material escolar, etc.

Entretanto, é preciso que tais contratos estejam atentos ao que diz a jurisprudência dos Tribunais Superiores, sobretudo, pela nítida aplicação das regras de direito do consumidor. Por conta disso, elaboramos o presente texto, informativo para gestores educacionais, alunos e responsáveis financeiros.

Não há mais dúvida que as relações contratuais de ensino são pautadas por contratos de prestação de serviços, contudo, vinculados às regras do Código de Defesa do Consumidor. Por conta disso, o conteúdo do contrato deve ser visto e revisto por um profissional da área jurídica para que as cláusulas atendam as demandas desta legislação e, principalmente, permitam evitar que eventualmente um aluno ou responsável leve o contrato para ser discutido judicialmente. Clareza, transparência, renúncias de forma expressa, etc. são itens exemplificativos que seriam certamente bem direcionados por um profissional ao revisar tais textos.

Lembre-se, principalmente, que eventuais cláusulas abusivas poderão ser questionadas e anuladas judicialmente, se necessário. Certamente, uma instituição de ensino deve evitar o embate, até mesmo por que deste poderá ainda surgir eventual dano moral decorrente de possível inscrição em cadastro de devedores, retenção de documentos, etc.

A cláusula que prevê a multa pela retenção do valor pago a título de matrícula integralmente já foi considerada nula em diversos processos judiciais. Mas, as instituições devem saber que é possível ter multa, mas é preciso saber como instituir no contrato de forma segura e eficaz. Os Tribunais Superiores entendem que a multa deve ser adequada a evitar o que se diz “enriquecimento sem causa” e com isso fixa a multa em patamares de 10% a 20% do valor pago. Acima disso há abusividade, com aplicação clara do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.

No mesmo sentido, os efeitos da matrícula, que seria o pagamento de mensalidades e ou material escolar passam a ser questionáveis, sobretudo quando feitos de forma bem antecipada, tendo em vista que a desistência demonstra que o serviço não será prestado e, portanto, nada mais poderá ser cobrado do referido aluno ou responsável. Portanto, se parcelas foram pagas, em tese, devem ser devolvidas e se estão em aberto não devem ser cobradas, pois inexigíveis. Esse é o entendimento da jurisprudência.

A desistência é algo previsível e tentar impedir isso punindo financeiramente de forma demasiada o consumidor pode configurar, inclusive, violação ao princípio contratual denominado boa fé objetiva, portanto, configurar má fé contratual, o que também revela a nulidade de cláusulas do tipo.

Logicamente, a Instituição de Ensino não está desprotegida contratualmente. Se o seu contrato estiver redigido de forma adequada e prevendo estas circunstâncias pode ser possível detalhar o formato da desistência, com prazos e valores expressos no texto contratual. Sendo assim, cláusulas genéricas e taxativas, alerte-se, são mais facilmente anuladas, em proteção ao interesse do consumidor.

Vale dizer que a jurisprudência utilizada como paradigma o conteúdo do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor em muitos casos, apontando que até 7 dias do início efetivo da prestação dos serviços educacionais o aluno ou responsável podem desistir do contrato, obtendo a devolução da matrícula e não estando obrigado a outros pagamentos. Em outros casos a jurisprudência aponta que tal desistência pode ocorrer até a data anterior ao início das aulas sendo que, nos dois casos, entendem que o serviço não foi prestado, não cabendo cobrança de mensalidades ou retenção integral da matrícula, evitando o enriquecimento sem causa. Outrossim, entendem que haverá tempo suficiente para que a referida vaga seja preenchida, não se justificando o argumento de que o serviço ficará disponível ao aluno desistente.

Sendo assim, uma dica importante para a construção de contratos de prestação de serviços para instituições de ensino nos revela, dada a nossa experiência no ramo, que é interessante colocar no contrato datas de desistência com percentuais distintos de devolução, de forma a penalizar o aluno com percentual maior da matrícula quanto menor o prazo entre o dia da desistência e o início das aulas.

Outra dica, mais importante, é o fato de que a instituição de ensino deve evitar negativar o CPF do aluno ou responsável, cobrá-lo extrajudicial ou judicialmente, pois isso pode resultar na configuração de dano moral e além de ter que devolver valores a escola pode ser obrigada a pagar uma indenização, o que também é possível encontrar na jurisprudência.

O posicionamento apontado neste texto não é atual, vem de alguns anos de julgados do setor educacional. Vejamos, por exemplo:

“Exigir o pagamento da matrícula e da primeira mensalidade, logo após a aprovação no vestibular, é busca de lucro fácil, sabendo que vários dos estudantes não vão cursar, pois serão aprovados em outras faculdades. Válida seria a cláusula de perda parcial da matrícula, como ocorre em várias Universidades, quando se devolve 70% do valor, e neste caso funciona como cláusula penal e prefixação de indenização, mas pretender a perda integral é conduta abusiva, contrária ao consumidor, o que não poderia mesmo prevalecer”. (Recurso nº 1.299, Segundo Colégio Recursal da Capital, julgado em 1.7.98, votação unânime, Relator Juiz Ribeiro dos Santos)

Taxa de matrícula e primeira mensalidade – Pedido de devolução – Curso ainda não iniciado – Direito reconhecido – Recurso improvido – É devida a devolução da taxa de matrícula e da mensalidade, quando o aluno desiste do curso antes do seu início, sob pena de ocasionar enriquecimento ilícito por parte da escola.” (Recurso nº 2.016, Segundo Colégio Recursal da Capital, julgado em 25.8.99, voto unânime, Relator Juiz Barros Nogueira)

“CONTRATO ‑ Prestação de serviços – Celebração no estabelecimento do prestador ‑ Desistência manifestada pelo consumidor no dia seguinte ‑ Admissibilidade ‑ Interpretação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor – Ação procedente – Recurso provido. Se o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor permite o arrependimento do consumidor porque, provavelmente não viu ou não conhece o produto, pois adquirido fora do estabelecimento comercial, a mesma proteção deve ser estendida ao adquirente dos serviços não executados de imediato no estabelecimento comercial”.  (Apelação Cível n. 262.603‑2 ‑ São Paulo – 9a. Câmara Civil – Relator Des. Accioli Freire ‑ 21.09.95 ‑ V.U.).
Por fim, o Item 16 da Portaria nº 3, de 15 de Março de 2001, da SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, considera abusiva a cláusula que “vede, nos serviços educacionais, em face de desistência pelo consumidor, a restituição de valor pago a título de pagamento antecipado de mensalidade”, o que dispensa explicação.

E, por fim, ressalta-se um último e agora recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, finalizando o tema:

Voto n. 1334 – 3ª Câmara Extraordinária de Direito Privado
Apelação n. 0001997-35.2005.8.26.0554
Comarca: Santo André 8ª Vara Cível
Apelantes: Silvana Aparecida Santos e Suellen Aparecida
Santos
Apelado: Sérgio Gomes Vital Me
Apelação cível. Prestação de serviços educacionais. Ação de nulidade de cláusula contratual cumulada com danos morais. Desistência de curso pré-vestibular. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Abusividade de cláusula contratual que prevê desistência somente por escrito e inibe restituição de valor pago em título de matrícula. Inexistência de contraprestação. Comprometimento do nome das autoras em órgãos de restrição ao crédito. Dano moral reconhecimento. Indenizatória fixada em R$3.000,00 para cada uma das suplicantes. Sentença reformada. Recurso provido.

Se a regra é considerar abusiva a retenção da matrícula de forma integral é também fácil concluir que as mensalidades não são devidas, pois o serviço não foi prestado. No caso do material escolar, salvo exista declaração expressa e escrita do aluno ou responsável assumindo o risco de pagar o material em caso de desistência até determinada data (não pode ser genérica a cláusula) dificilmente a instituição de ensino conseguirá sustentar ou argumentar esta cobrança.

Isso tudo exige um olhar gerencial preparado por regras jurídicas específicas do setor educacional. Por fim, esperamos que o presente texto sirva de alerta e orientação aos gestores educacionais e aos pais e responsáveis por contratos desta natureza.

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