27 de janeiro de 2013

A tragédia em Santa Maria: um olhar na UFSM.

1 - O Brasil está de luto.

As mortes desta madrugada na Boate Kiss em Santa Maria RS envolveu todo o cenário nacional, mobilizou a presidência da república, os estudantes, as redes sociais, e também uma universidade. No jornal Globo News (12hs do dia 27/01) o Vice-Reitor da Universidade Federal de Santa Maria deu entrevista e respondeu perguntas dos jornalistas. O foco foi basicamente o que a instituição de ensino estava fazendo e que tipo de relação a instituição de ensino tinha com a festa, ou com a própria boate.

Suscitou-se, na entrevista, algum tipo de parceria que aparentemente não existia de forma documentada, mas era do conhecimento dos gestores daquela instituição. Veja que o próprio site da boate anuncia que as turmas podem realizar festas como meio de arrecadação através da venda antecipada de ingressos: aqui.

O vice-reitor foi pressionado, quase coagido a responder perguntas inoportunas e o motivo principal foi o fato de que a festa promovida pela boate tinha o envolvimento de alunos e até divulgava a marca, a sliga da universidade UFSM de forma cotidiana, costumeira e tradicional. No final deste texto falaremos sobre isso!

Então, como o objetivo deste BLOG é ser ferramenta útil para os gestores educacionais é num clima de luto que escreveremos alguns esclarecimentos e algumas orientações.

Enfim, a pergunta inicial diante desse quadro é: qual é a responsabilidade da instituição de ensino nos eventos organizados pelos alunos e que tipo de precauções deve a instituição adotar para evitar que seja responsabilizada?

2 - Comecemos com o seguinte esclarecimento prático: quando uma marca grande, famosa, como uma cervejaria, apoia ou patrocina um grande evento, envolvendo muitas pessoas, é comum que ela coloque como cláusula do contrato de parceria a obrigatoriedade de se respeitar todos os critérios de segurança aos participantes, pois sabe que muito além da possível responsabilidade civil (ser obrigada a reparar danos) é a marca, a fama, o bom nome da empresa que está em jogo. Então, essa é a primeira dica!

A instituição de ensino não deve deixar que todos e qualquer um se utilizem de sua marca, de seu nome, de seu logotipo, sem sua devida autorização. Trata-se de direito marcário, ou direito da propriedade intelectual. Só a instituição pode usar, ceder ou dispor de sua propriedade intelectual.

Portanto, nem flyers de boate, nem vans do transporte de alunos, nem camisetas fabricadas por quem quer que seja, podem se utilizar da marca da instituição sem sua autorização. Sendo assim, na proteção dos seus interesses e até na prevenção de suposto envolvimento da instituição em eventos desta natureza é importante controlar quem, como e quando está fazendo uso da marca, inclusive, notificando aqueles que a usam indevidamente.

3 - Porém, além da preocupação do bom nome, da imagem da instituição no que tange a sua marca, devemos lembrar que há sim possíveis riscos com a obrigação de reparar danos seja em eventos festivos, esportivos e até mesmo no trote (como visto em nossa última postagem sobre o Trote Universitário e a responsabilidade da IES).

Vamos partir de situações rotineiras e com isso apresentar algumas observações. 

Formaturas. Algumas instituições de ensino tendem a organizar a formatura dos seus alunos desde o início do curso, mobilizando a comissão de formatura, apoiando em reuniões, fazendo parceria com empresas de eventos e até mesmo realizando a colação de grau e ou festas comemorativas, como forma de ter isso como diferencial de mercado e até controlando um evento que, sem dúvida, é de sua responsabilidade.

Aqui o cuidado deve ser redobrado, pois a instituição está diretamente envolvida com o evento. As questões de segurança pública, de segurança arquitetônica, de uso e direito de imagem, etc., rodeiam todos os eventos que tangem a formatura. Então é preciso ter um projeto bem estruturado e documentado, com instrumentos jurídicos que garantam que a instituição seguiu as normas jurídicas aplicáveis, adotou os instrumentos contratuais necessários à proteção do seu interesse, e adotou todas as medidas para evitar esse ou aquele prejuízo que, no futuro, possa vir a ser alegado por um aluno ou até mesmo por um familiar que frequenta aquele evento.

Se no momento da colação de grau ocorre um incêndio e o local não é apropriado para a aglomeração de pessoas envolvidas, não tinha alvará ou licença para aquele determinado evento, etc., a instituição pode sim ser responsabilizada, mesmo quando é uma empresa terceirizada ou parceira que realiza todo o evento.

Sim, a instituição pode ser responsabilizada ao lado da empresa de eventos, pois mesmo terceirizando isso, ou lançando para o parceiro realizar totalmente o evento, existe uma modalidade de culpa no direito civil que se denomina culpa "in elligendo" e culpa "in vigillando", ou seja, por ter escolhido mal seu parceiro e por não ter vigiado as condições do local e do evento, a instituição de ensino pode ser responsabilizada juridicamente.

Esporte e recreação. Já escrevemos neste BLOG alguns textos com orientações sobre educação física e atividades recreativas nas instituições de ensino aos quais remetemos o leitor (conheça as três postagens sobre o assunto clicando aqui). Há muito o que se observar neste contexto, principalmente, quando a atividade é patrocinada pela instituição (como um time de futebol que sai da instituição para jogar em outros locais, viaja, usa transporte da faculdade, etc.)

Realmente, imagine que a instituição oferece o espaço para o treino, autoriza o professor de educação física a treinar o time durante o período de preparação, empresta material esportivo e ainda apoia a confecção do uniforme. Detalhe: não precisa ter nada escrito, o acordo de parceria pode ser verbal. É, sem dúvida, uma bela sacada de marketing, tanto quanto o apoio na formatura, mas deve sim ser muito bem organizado do ponto de vista documental e jurídico. Se a instituição mesmo que informalmente dá esse apoio ela pode se tornar co-responsável por danos ocorridos em algum cenário destes razão pela qual deve se preocupar com o controle efetivo do que está acontecendo.

Vale dizer, ainda, que nos termos da atual jurisprudência sobre a responsabilidade civil, como a instituição de ensino indiretamente se aproveita para fazer valer uma boa jogada de marketing tem, com isso, uma vantagem financeira, mesmo que indireta, portanto, responde pelos riscos de tais atividades.

3 - Festas. Por fim, as festas organizadas pelos alunos, pelas comissões de formatura e até mesmo pelas agremiações ou diretórios acadêmicos, é algo que deve ser acompanhado pela instituição de ensino, assim como deve se acompanhar as questões do trote universitário.

Basta olhar o site da boate KISS onde ocorreu a festa com alunos da UFSM para perceber que há, indiretamente, o envolvimento da instituição que assume a participação dos seus alunos com o objetivo de angariar fundos para a formatura ou para as organizações estudantis, que permite que a boate se utilize de sua marca ou sinal distintivo (UFSM), etc. O que fazer?

A instituição de ensino não deve se envolver diretamente com estes assuntos e deve participar todos os envolvidos disso. Eventos realizados fora da faculdade e que não tenham envolvimento e controle da instituição devem ser literalmente não apoiados.

Assim, como medida prática, deve convocar anualmente os alunos (comissões de formatura, agremiações, diretórios, etc.) e formalmente avisá-los que a instituição não participará de tais eventos, solicitando e orientando ainda, por escrito, que tais organizadores adotem medidas cabíveis para assegurar que alunos não correrão quaisquer riscos, como oficiar às autoridades públicas, verificar as condições do estabelecimento, etc. Com isso, a faculdade documenta que não participa e orienta quem de direito a adotar medidas necessárias à organização do evento, e tal cautela será fundamental para eventual defesa judicial numa possível ação indenizatória.

Agora se a instituição for dar apoio, por menor que seja, deve exigir como contraprestação o compromisso e a comprovação de que todas as medidas e normas de segurança foram/serão adotadas, sob pena de quebra do vínculo jurídico de parceria. É preciso compreender que dando apoio, seja logístico, seja emprestando o local, etc., está assumindo algum tipo de responsabilidade, portanto, precisa se proteger e a forma de fazer isso é simples.

Assim, como medida prática, a instituição de ensino deve adotar um instrumento de parceria e celebrá-lo por escrito com as entidades envolvidas, inscrevendo em tais contratos a obrigação de cumprimento de normas de segurança e outras medidas protetivas de precaução. Em seguida, vigiar e cobrar o cumprimento de tais normas/medidas e romper imediatamente o contrato de parceria se acaso a outra parte não realizar as obrigações dela no vínculo de parceria.

Transporte. O tema transporte escolar já foi também abordado neste blog (clique aqui para ler algumas observações sobre o transporte escolar e a instituição de ensino) e é muito relevante, pois um acidente de trânsito pode ser fatal.

O primeiro ponto é a utilização da marca ou do sinal distintivo da instituição de ensino pelas vans ou veículos de transporte de alunos. O segundo ponto é a permissão de que transportadores divulguem internamente o serviço e, ainda, em alguns casos, até indiquem este ou aquele transportador para alunos recém chegados. O terceiro é a permissão que algumas escolas fazem, até por necessidade logística, de ingresso dos veículos de transporte dentro dos seus estabelecimentos para embarque e desembarque de alunos. Tudo isso pode, num cenário específico, geral alguma possível responsabilidade para a instituição, exigindo cuidado.

Reunir os pais ou os alunos, conhecer quem são os transportadores de um modo geral e até convocá-los para uma reunião geral, pode ser uma saída visando a organização desse aspecto necessário para toda instituição. Mostrar aos alunos ou pais a necessidade de conhecer e controlar efetivamente as condições de transporte e também noticiar às autoridades públicas qualquer irregularidade, são duas práticas concretas que uma instituição pode adotar para se assegurar de que sua responsabilidade está protegida e que não será alvo de possível ação judicial de indenização.

4 - O caso de Santa Maria precisa ser avaliado em muitos aspectos. Supõe-se que o alvará da boate estava vencido desde agosto de 2012 e que as saídas de emergência não respeitavam as normas vigentes. Com isso, pode ser responsabilizado o ente público que deveria agir e não agiu nestas situações (alvará municipal e do corpo de bombeiros vencido, possível irregularidade na estrutura física da boate aprovada pela prefeitura, etc.). Nem se alegue que a municipalidade não tinha conhecimento da situação, pois a boate funcionava rotineiramente naquelas condições.

A banda e o vocalista, nos parece, tiveram envolvimento ao ocasionar o incêndio, o que será apurado no inquérito policial, para verificar o que realmente ocorreu. Mas, apurado, alguma responsabilidade eles poderão ter, ao lado da boate que, até agora, não manifestou qualquer existência de seguro.

Não se sabe o envolvimento dos alunos no referido evento, mas parece que só tinham um acordo na comissão pela venda de ingressos antecipados. A UFSM, por sua vez, conhecia aquela prática comum entre boate e alunos, mas também não tinha qualquer envolvimento direto, senão o uso de sua sigla nas divulgações e participação dos seus alunos.

O que a UFSM poderia ter feito? Notificado a boate e os alunos, avisado as agremiações e diretórios, e, se o caso, até mesmo o Poder Público Municipal, alertando-os da necessidade de controlar o parceiro (boate kiss) no que tange à segurança dos seus alunos participantes do evento. Atitude simples que pode fazer a diferença. Se na entrevista ao repórter do GLOBO NEWS o vice-reitor apresentasse um documento desse tipo, uma ata, uma carta, o jornalista jamais o teria pressionado como o fez, tentando de forma indiscriminada e sensacionalista apontar em algum momento a responsabilidade indireta da UFSM.

Deste modo, a gestão legal ou jurídica de uma instituição de ensino precisa ser feita de modo eficaz e preventivo, pois pequenas atitudes poderão certamente evitar grandes contratempos e até mesmo responsabilidades.

Luis Fernando Rabelo Chacon

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