João se matriculou no ensino superior. Pagou com sacrifício o primeiro semestre da faculdade, mas no segundo semestre, apesar de devidamente matriculado, não suportou o peso das mensalidades e se tornou inadimplente. A instituição de ensino pode impedir que ele faça provas ou retire documentos? Não, pois ele tem direito de cursar aquele semestre regularmente, mesmo com débitos. Ele poderá renovar a matrícula para o terceiro semestre? Não. A lei garante que a instituição não autorize a renovação da matrícula em virtude do inadimplemento.
Vamos entender porque e o que pode ser feito pela instituição para se proteger!
Realmente, um dos temas mais calorosos nas instituições de ensino superior privado é o inadimplemento dos alunos e o direito de renovação da matrícula. Sabemos que o setor privado é o grande responsável pelo aumento efetivo da disponibilidade de vagas e da efetiva matrícula de novos alunos no ensino superior brasileiro.
Com isso, obviamente, o setor também enfrenta o inadimplemento e se depara com uma legislação especial que regulamenta o assunto. Ao contrário de uma loja que pode recusar a entrega do produto em virtude do pagamento do preço, a instituição de ensino deve se atentar aos detalhes legais que, obviamente, regulamentam um serviço público essencial, que é a educação.
A instituição de ensino não pode punir pedagogicamente o aluno, retendo documentos, evitando que realize provas. A lei entretanto garante o direito de recusar a matrícula para o próximo semestre sempre que houver atraso superior a 90 dias, mesmo que numa única mensalidade. Portanto, se o aluno está matriculado e se torna inadimplente ele não pode ser punido com atos exclusivos ao longo do semestre, pode ser notificado para regularização da sua situação e até mesmo com aviso de que sua matrícula não será renovada, contudo, aquele semestre será aproveitado.
Esse posicionamento está consolidado na jurisprudência pátria, como se vê em vários julgados do próprio STJ (Superior Tribunal de Justiça):
- “A Constituição
Federal, no art.
209, I, dispõe
à iniciativa privada
o ensino, desde que
cumpridas as normas
gerais da educação
nacional. A Lei
9.870/99, que dispõe sobre
o valor das
mensalidades escolares, trata
do direito à renovação
da matrícula nos
arts. 5° e
6°, que devem
ser interpretados conjuntamente. A
regra geral do
art. 1.092 do
CC/16 aplica-se com temperamento, à
espécie, por disposição
expressa da Lei
9.870/99. O aluno,
ao matricular-se em
instituição de ensino privado,
firma contrato oneroso,
pelo qual se obriga ao
pagamento das mensalidades
como contraprestação ao
serviço recebido. O atraso
no pagamento não
autoriza aplicar-se ao
aluno sanções que se consubstanciem em
descumprimento do contrato
por parte da
entidade de ensino (art.
5° da Lei 9.870/99), mas está a
entidade autorizada a não renovar
a matrícula, se o
atraso é superior
a noventa dias,
mesmo que seja
de uma mensalidade apenas” (REsp
nº 660439/RS, Relª
Minª Eliana Calmon,
DJ 27/06/2005);
- “A regra
dos arts. 5°
e 6° da
lei 9.870/99 é a de
que o inadimplemento do pagamento
das prestações escolares pelos
alunos não pode gerar
a aplicação de penalidades
pedagógicas, assim como
a suspensão de
provas escolares ou retenção de documentos
escolares, inclusive para
efeitos de transferência a outra instituição de
ensino. Entretanto, no afã de
coibir abusos e
de preservar a viabilidade
financeira das instituições
particulares de ensino,
a lei excluiu
do direito à renovação
da matrícula (rematrícula), os alunos inadimplentes. 'A negativa
da instituição de
ensino superior em
renovar a matrícula
de aluno inadimplente, ao
final do período
letivo, é expressamente
autorizada pelos arts. 5° e 6°, § 1°, da Lei 9.870/99' (Resp
553216, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJ de
24/05/2004)” (AgRg na MC
nº 9147/SP, Rel.
Min. Luiz Fux,
DJ de 30/05/2005).
O último julgado que se encontra no STJ é recente e mostra que realmente esse é o caminho. Caso seja útil vejam o inteiro teor clicando aqui recente acórdão STJ.
Com isso, fica claro qual é a ferramente que a instituição pode utilizar. Obviamente, ao lado disso, ela não pode deixar de utilizar uma ferramenta de gestão da inadimplência, sobretudo, com foco no combate ao inadimplemento, evitando a criação de uma cultura acomodada dos alunos. É preciso ter atitude correta, nos termos da lei, mas efetiva atitude para evitar que o inadimplemento traga mais prejuízos do que a questão financeira em si.
Luis Fernando Rabelo Chacon é advogado, com atuação na advocacia e na gestão de instituições do ensino superior.
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